quarta-feira, 15 de julho de 2020
Grupo de Estudos - Magus Portae
Saudações a todos os caríssimos leitores.
Através do aplicativo Discord temos um grupo de estudos que tem encontros semanalmente às 21:00 horas no domingo. Estudos riquíssimos da sabedoria antiga e ciências ocultas. Aqueles desejosos da sabedoria sagrada são bem vindos a participarem conosco, não há nenhum custo monetário. Entre em contato:
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domingo, 29 de março de 2020
quinta-feira, 19 de março de 2020
A GUERRA DOS MAGOS - ROSACRUZES E SATANISTAS FRENTE A FRENTE
No século XIX
consagrou a França como a "capital universal da razão". O espírito
cartesiano foi se afiançando no país vizinho e a batalha das idéias foi ganha
pelo racionalismo. Em toda França? Podemos duvidar. Foi nessa mesma França onde
floresceu o ocultismo com figuras como "Papus" ou Eliphas Levi, foi
ali onde apareceram movimentos neo-templarios - com Fabre Palaprat - igrejas
gnósticas com bispos e prelados, seitas ocultistas de todos os tipos e
condições e, finalmente, na apoteoses do irracional, movimentos satânicos e
Rosacruzes. Faz agora 100 anos, uns e outros se engalfinharam numa estranha
disputa que foi conhecida como a "Guerra dos Magos".
Estes são os
personagens e estas são as situações...
DE VINTRAS A PIERRE MICHEL
Até os 32
anos, nada, nem o próprio interessado, suspeitou que Pierre Eugene Michel
Vintras, estava conclamado a protagonizar um dos episódios mais perturbadores
da vida religiosa ocidental do século XIX. Havia nascido em 1807, quando os
estandartes napoleônicos passeavam triunfais pela Europa; o caos
econômico-social da Franca, apenas saída do terror jacobino e conhecendo as
primeiras vitorias imperiais, antes da derrota e a crise, repercutiram na
juventude de Vintras. Conhecem-se ao menos uma dezena de ofícios que praticou e
que não impediram que conhecesse amiúde as privações e a fome. Não foi senão
até que logrou um trabalho como contador de um moinho em Tilly-sur-Seules que
pode estabilizar sua vida e casar-se.
Pouco tempo
depois começou a ter visões. Um ancião etéreo lhe aparecia freqüentemente desde
o 6 de agosto de 1839, animando-o, por indicação da Virgem María, a fundar uma
instituição de caridade. Tudo induz a pensar que Vintras era, nessa época, ao
menos, sincero e que devia sofrer uma experiência mística de singular
intensidade. Seja como for, pôs em conhecimento de seu confessor estas visões
e, animado por todos, decidiu "entregar-se à vontade de Deus". O fez
com singular zelo e originalidade.
Pouco tempo
depois fundava a primeira das "setenas", agrupamento de sete devotos
que, antes de receber o nome de um anjo, oravam em comunidade pela expiação dos
pecados. Vintras, que a tudo isto, trocou seu nome vulgar pelo iniciático de
"Pierre Michel" - como depois o trocará por "Elias" e,
finalmente, adquirirá o nome angélico de Strathanael - va enunciando seu
pensamento, cada vez mais sombrio: o fim do mundo se acerca, a iniquidade se
apoderou da alma dos homens, a segunda chegada de Cristo está a ponto de produzir-se
e, portanto, é preciso preparar sua vinda. Um esquema tão simples só podia ter
eco em tempos de crise e a Franca da época viveu permanentemente
desestabilizada desde a convocatória dos Estados Gerais e o assalto da
Bastilha, até a Comuna de París e a aparição dos primeiros movimentos sociais.
Em um abrir e fechar de olhos, as setenas haviam proliferado por toda a França
e o moinho de Tilly passou a ser um lugar de peregrinação.
O círculo
vintrasiano não havia deixado de ser um movimento de renovação carismática
entre outros muitos que proliferavam na época, de não haver sido por distintos
fatores que contribuíram a diferencia-lo de todos os demais. Em primeiro lugar,
não somente tinha um caráter religioso e escatológico, senão que, ademais, teve
já desde seus primeiros passos, uma opinião política muito bem definida. Os
vintrasianos, todos, eram "naundorfistas" e o próprio Naundorf se
sentiu atraído pelo movimento. Em segundo lugar, proliferaram os milagres:
hóstias consagradas que sangravam, curas operadas contra toda lógica médica,
aparições, mensagens divinas. A partir daqui, a hierarquia católica começou a
inquietar-se e o que havia sido uma comunidade piedosa, passou a ser
considerada como foco subversivo e, portanto, excomungado.
NAUNDORF E O NAUNDORFISMO
Em 2 de
Agosto de 1830, Carlos X abdicou, porem seus partidários conservaram força e
poder como para poder resistir, só precisavam um gesto do monarca para
sublevar-se. Carlos X, preferiu, na mesma tarde de sua abdicação, consultar a
um campesino inculto, Thomas Martin, que vivia próximo de Rambouillet e que
tinha fama de profeta. Dizia-se que mantinha animadas conversações com o mesmo
arcanjo São Miguel. Impulsionado por vozes misteriosas, entre outras a de Joana
d'Arc , Martin foi ver a Luís XVIII, que havia recuperado a coroa para os
Borbons depois da queda de Napoleão. Sua fama na corte era imensa e quando
Carlos X teve a tentação de resistir, enviou a seus emissários para que lhe
trouxessem Martin. Este nem sequer se dignou vestir-se, se limitou a profetizar
que Carlos X jamais recuperaria o trono, "atrás dele ha uma mão que o
rechaça"; seu filho tampouco reinaria nunca e ambos morreriam no
estrangeiro. Logo, pretextando o calor, voltou à cama. A "mão que o
rechaça" era para Martin, a presença do rei legítimo, Luís XVII, o Delfim
filho de Luís XVI, que ainda não havia sido morto. Anos depois, em 27 de
Setembro de 1833, Martin, depois de profetizar que "aparecerão falsos
delfins" (nesse mes foram detidos três pela polícia) corre conhecer a
outro novo, Naundorf, que pretende fazer-se parar pelo rei perdido. Naundorf
dorme quando chega Martin, porem este entra no dormitório e o desperta, logo
exclama: "Meu querido Martin", os dois homens se abraçam e Martin
prorrompe em pranto: por fim encontrou a quem tanto buscava: "É ele é, a
mesma pessoa que vi numa visão com muitos soberanos. É o filho de Luís XVI!
Temos que dizer que Martin, antes destas visões, foi submetido a tratamento
psiquiátrico.
Naundorf
havia chegado a París em 28 de Maio de 1833 sem um franco no bolso; se vê
obrigado a dormir no chão e comer fruta roubada nas árvores dos arredores.
Antes havia sido relojoeiro em Crossen, Prússia, onde um periódico - a Gazeta
de Leipzig- publicou que era filho de Luís XVI. Quando se sentiu preparado
decidiu-se pelo caminho entre Crossen e París a pe.
A maioria dos
historiadores modernos sustentam que "Naundorf", antes de pretender
ser o filho de Luís XVI havia desertado do exército; seu verdadeiro nome era
Carl Werg, nascido em 3 de Maio de 1777. O pretenso filho de Luís XVI -
guilhotinado pelos revolucionários na, ironicamente chamada, "ponte da
Concórdia"- e Delfim da França, preso com toda a família real no Forte dos
Templários, havia conseguido fugir de sua cela e, por insondáveis caminhos,
regressar para reivindicar o trono de seus ancestrais.
O abandono do
anonimato para Naundorf se produziu no curso do processo iniciado contra alguém
que dizia ser Esthelbert - Louis Hector - Alfred, barão de Richemont e
"Duque de Normandía"... quer dizer, filho de Luís XVI. Richemont era,
por suposto, uma mescla de mitomâno e fraudador, seu nome devia juntar-se à
longa lista de sujeitos, todos eles, mais ou menos visíveis fraudadores, que
reivindicavam ser o "Delfim perdido". Sem demora no curso do
processo, uma voz entre o público interrompeu bruscamente a sessão: "Sou
Morel de Saint-Didier, vivo na rua Du Bac e sou portador de uma carta para os
senhores jurados, escrita pelo verdadeiro Charles-Louis de Bourbon, filho de
Luís XIV". As risadas com as quais o público acolheu a proclamação não
puderam evitar que este episódio fosse o ponto de partida para um dos enigmas
mais fascinantes do século XIX. A própria irmã do Delfim, a Duquesa de
Angulema, que vivia em Praga com os Borbons exilados, não pode evitar
reconhecer que o "caso Naundorf" não era como os demais. Pouco depois
do episódio do juízo, Morel de Saint-Didier, viajou à Praga na qualidade de
procurador de Naundorf, com a intenção de entrevistar-se com a família real,
porem só logrou avistar-se com a Madame de Rambaud que, em outro tempo, fora
camareira real do Delfim. Morel conseguiu que Rambaud recebesse a Naundorf e se
convencera da veracidade de suas pretensões. Pouco depois a camareira escrevia
à Duquesa de Angulema: "... vosso irmão vive. Meus olhos o viram e reconheceram;
as horas que passei em sua companhia me deram uma absoluta convicção".
Outra dama da
infanta Victoria, filha de Luís XV, escreveu à Duquesa: "estou convencida
de haver falado ao príncipe tão chorado pelos franceses". Bremont, antigo
membro da secretaria de Luís LVI, igualmente reconheceu ao Delfim:
"reconheci no pretendente Charles-Guillaume Naundorf ao órfão do Templo,
vosso augusto irmão". Todas estas declarações serviram ao menos para que a
Duquesa de Angulema começasse a duvidar e decidiu enviar ao Conde de
Rochefoucauld para que estudasse o individuo: "Me achei na presença de um
homem cuja semelhança com os retratos bem estudados de Luís XVII e com os
traços da família Bourbon não podia negar-se (...) nem no tom das palavras
havia nada que parecesse audácia ou falsidade e muito menos ainda uma
velhaquice". Em 1834, mais de vinte servidores da família real o haviam
reconhecido como o Delfim de França. A todos eles descreveu situações, lugares
que só o autêntico Delfim podia conhecer. E não só entre a criadagem, como
entre ministros de Luís XVI, e De Joly. O realmente curioso era que Naundorf
recordava a seus 40 anos, situações e nomes de quando o Delfim tinha somente 7,
quer dizer, que sua memória dos feitos do Delfim ia mais alem do normal; era capaz,
por exemplo, de recordar as iniciais do obreiro que selou a habitação de Luís
XVI na Torre do Templo ou reconhecer um traje que somente usou numa ocasião a
seus sete anos.
Não faltaram
historiadores e analistas que deduziram em Naundorf uma capacidade para ler os
pensamentos de seus interlocutores e repetir as respostas que estes esperavam
ouvir. Que custa mais admitir que Naundorf fora o Delfim perdido ou cre-lo
dotado de qualidades paranormais?
Em 29 de
Janeiro de 1834, Naundorf foi apunhalado e quase morto. A faca passou roçando o
coração e salvou a vida por milímetros. Poucos dias antes Morel se havia
entrevistado em Praga com a Duquesa de Angulema. Ao que parece a vinculação de
Morel com Naundorf procedia de que a mãe do primeiro afirmava haver tido certo
papel na fuga do Delfim da prisão do Templo. Dispondo de meios econômicos
dedicou toda sua vida a buscar ao Delfim e acreditou encontra-lo em Naundorf a
cujas ordens se pôs de boa fé. Dado que o pretendente era de origem
estrangeira, Morel apresentou em seu nome as demandas judiciais que foram
desestimadas pelas distintas instancias judiciais. Os Borbons contra-atacaram e
a coisa acabou novamente nos tribunais. Em 15 de Junho de 1836, a Duquesa de
Angulema e Carlos X, lograram que Naundorf fosse expulso e obrigado a embarcar
para Inglaterra. Este foi o principio do fim para Naundorf que já havia
recrutado depois de si mesmo uma importante quantidade de partidários, todos
eles procedentes dos meios mais conservadores e ultramontanos franceses, entre
os quais não faltavam sacerdotes.
O exílio
londrinense colocou a Naundorf em uma crise mística e, sem esquecer sua
pretensão de reivindicar o trono da França, se converteu em um reformador
religioso. E 1838 publicou seu livro "Doutrina Celeste", evangelho da
nova seita. Trata-se de um livro ilegível ao que seguiu outro intitulado
"A revelação sobre os erros do Antigo Testamento" escrito ao ditado
por Joana d'Arc. Algo havia transtornado a mente de Naundorf depois de sua
chegada a Londres.
Teve Naundorf
uma estranha experiência mística similar à que experimentou, mais ou menos por
essas mesmas datas, Vintras? Em qualquer caso, em seu momento pode surpreender
que um livro fora escrito ao ditado de um personagem histórico desaparecido ha
séculos, porem quando apareciam, contemporâneos no tempo, os primeiros
movimentos espiritas nos EEUU e França que afirmavam comunicar-se com o mundo
dos mortos e receber deles mensagens. E não muito depois H. P. Blavatsky
afirmaría escrever seus livros segundo o ditado dos "Mahatmas" e
inclusive hoje centenas de pessoas de todo o mundo praticam o
"channeling" ou canalização que lhes permite - sempre segundo eles-
receber mensagens do alem. Acredita-se que boa parte de todo este arsenal está
formado por experiências interiores mal compreendidas, expontâneas e inclusive
por casos de possessão, sendo o resto quadros clínicos que evidenciam
psicopatías.
Em 9 de Mayo,
o delírio místico de Naundorf desembocou na constituição do "Alto Conselho
da Igreja Católica e Evangélica", composto por doze membros
"designados pelo anjo". Seis meses depois a igreja dividiu-se e parte
de seus membros abjuraram da nova fé cismática. Naundorf sofreu um novo
atentado, recebendo dois tiros que voltaram a coloca-lo à beira da morte; se
isso fosse pouco, em 1841 sua casa resultou incendiada. A uns poucos meses foi
preso por dividas e ao sair tomou a decisão de abandonar Inglaterra e
radicar-se na Holanda onde morreu em 1845 na cidade de Delf, segundo seus
partidários, envenenado, porem, em qualquer caso, desordenado.
Nada pode
estranhar o estado mental de Naundorf. No caso de que fora o verdadeiro Delfim,
sua vida esteve repleta de tragédias e do mais elevado cunho passou à miséria e
ao terror de seu encarceramento no Templo e à decepção que lhe produziu ser
rechaçado por seu irmão, caluniado e perseguido arteiramente. Se era o Delfim,
se compreende sua loucura. Se não o era, no ato mesmo da suplantação está o
traço mais palpável de sua mitomania e, por conseguinte, de sua loucura
permanente. Porem em qualquer dos dois casos, temos que perguntar o que nos diz
a historia. A resposta não está tão clara como inicialmente pudera parecer.
Nenhuma das distintas teorias pode demostrar eficiência até agora.
Fundamentalmente são três: 1) Naundorf era o autêntico filho de Luís XVI, 2)
Luís XVI morreu na torre do Templo e Naundorf era um visionário com certa
capacidade para ler os pensamentos e 3) o Delfim sobreviveu a seu cativeiro,
foi substituído na Torre do Templo por um menino de sua idade, retardado
mental, porem seu rastro se perdeu.
A
possibilidade de que Naundorf fora o Delfim é apenas nula. A sede de mistério,
não pode apagar a realidade e o método histórico. Existe uma prova irrefutável
e definitiva para estabelecer se Naundorf e o Delfim foram a mesma pessoa: a
análise do DNA. Dado que no ajuntamento de Delf, onde morreu, se conservam
cabelos de Naundorf, bastaría comparar a seqüência de DNA com os restos de
cabelos do Delfim que conservou a família dos Habsburgo. Em efeito, a irmã
maior de María Antonieta, María Ana, passou os últimos anos de sua vida na
Áustria, falecendo pouco depois do guilhotinamento de sua irmã. Entre os
pertences que legou ao convento de Klagenfurt figurava um relicário que
continha cabelos dos filhos da Imperatriz. Este relicário pertence na
atualidade a Otto de Habsburgo, o qual, à petição do historiador J.H. Petrie,
autorizou sua abertura e a análise dos cabelos cuja seqüência de DNA devia
comparar-se com a dos cabelos e um fragmento de um fêmur de Naundorf. No
momento de escrever estas linhas estão completando as análises, que serão
publicados na revista "Nature Genetics" a qual os realiza
gratuitamente em troca da exclusividade na publicação dos resultados. Sem
demora, todos induzem a pensar que, como já ocorreu no caso da Grande Duquesa
Anastácia, estes serão desfavoráveis para a tese de uma identidade entre
Naundorf e Luís XVII, Delfim de França e Duque da Normandía.
Em qualquer
caso, os naundorfistas não se extinguiram com a morte de seu líder e com as
sombras que sempre se projetaram sobre a autenticidade de suas pretensões; se
bem que seu movimento religioso se extinguiu, a maior parte de quem o
constituiu foram engrossar as setenas de Vintras o qual afirmou pública e
repetidamente seu naundorfismo. E outro tanto fizeram a maioria de ocultistas
franceses do século XIX. Desde o ponto de vista religioso a fidelidade a
Naundorf permitia ocupar um espaço conservador, porem ao mesmo tempo, abria a
possibilidade a uma visão religiosa heterodoxa. Foi assim como muitos
ocultistas do século XIX, Joséphin Péladan, Stanislas de Guaita, Saint Yves
d'Alveydre e outros muitos, sempre consideraram a Naundorf como o Delfim de
França e, portanto, depositário de uma concepção esotérica do catolicismo que
sua loucura traduziu em termos grotescos porem atras dos quais se escondiam
chaves esotéricas.
Assim por
exemplo, em um de seus escritos místico-religiosos, Naundorf chega a descobrir
que o Paraíso se encontra no mesmo centro do sol e tenta chegar a esta
explicação mediante complicados cálculos matemáticos aos quais tão aficionados
eram os místicos da época como Fourier ou Saint Simon e se bem, atras da
doutrina destes, se percebem com facilidade chaves numerológicas e temas
derivados de um rosacrucianismo mal compreendido, isso mesmo resulta evidente em
algumas idéias místicas de Naundorf. Hoje, alguns historiadores sustentam que
Naundorf ingressou secretamente na Obra da Misericórdia de Vintras, o qual,
cifrava todas suas esperanças políticas e escatológicas em Naundorf a quem
considerava, efetivamente, o "Rei Perdido", que devia ser "o
Grande Monarca" das profecias apocalípticas, que empreenderia a luta final
contra as potências do mal à frente de uma cristandade renovada.
A OBRA DA MISERICÓRDIA
Reforçados
com os naundorfistas, Vintras e os seus progrediram rapidamente e conseguiram
estabilizar uma rede de setenas por toda França, entre cujos membros figuram
vários expoentes da nobreza naundorfista. Porem, as pressões da Santa Se e os
interesses do governo francês da época se uniram para perseguir a Vintras que
terminou sendo acusado - de maneira torpe e mordaz- de fraude. Condenado a
cinco anos de prisão em 20 de Agosto de 1842, abandonará o cárcere em 25 de
Março de 1848. Desde a prisão proporá a seus partidários a criação da Ordem dos
Cavaleiros da Virgem María e elaborará um ritual destinado à gloria de
Melquisedek com o qual se autoelevará à categoria de sacerdote, rito que,
segundo declarou, foi ditado por um anjo.
Posteriormente,
as ordenações seguiram e o próprio Vintras consagrou a outros sacerdotes
"da Misericórdia" que foram os pilares da Ordem do Carmelo, surgida
da federação das setenas. Porem a aliança entre Napoleão III e o Vaticano se
traduziu em uma nova perseguição contra Vintras e os seus. Em 17 de Março de
1852, o santuário central da ordem em Tilly, foi invadido pela polícia e seus
arquivos e objetos Ritualísticos confiscados. Vintras e vários sacerdotes do
Carmelo Ilíaco lograram escapar ao cerco policial e refugiar-se em Londres
desde onde conseguiram estender sua organização pela Escócia e boa parte da
Inglaterra, onde ainda subsistem hoje. Depois da queda de Napoleão III, Vintras
regressou à França ordenando novos sacerdotes, sem encontrar grandes obstáculos
à sua predicação. Em 7 de Dezembro de 1875 morreu em Lyon, Meca do ocultismo
francês; não é raro que a continuidade de sua seita fora assegurada neste
século por dois ocultistas e Martinistas célebres, Johann Bricaud e Constant
Chevillon.
MAGIA E SATANISMO
Vintras foi
condenado definitivamente pelo Vaticano em 1851, pois bem, nos quarenta anos
seguintes, o satanismo experimentou uma floração em toda Europa, inclusive na
Espanha (os casos de satanismo em Jaca, os repetidos casos de possessão
demoníaca em Barcelona dos que o próprio Jacinto Verdaguer se ocupou, etc.). E
se Vintras foi definitivamente condenado pela Igreja foi pelo caráter
problemático de suas práticas, definidas pelo Papado como "satânicas e
infernais". O que parece evidente é que, ao menos em principio, nem
Vintras, nem seu sucessor à frente de sua obra, o abade Boullán, pretenderam
render culto ao diabo, e sim que inclusive diziam combate-lo. Vintras elaborou
um complicado ritual de exorcismo que utilizou não poucas vezes. A defesa mais
segura para prevenir a ação do diabo era o uso das hóstias milagrosas que Vintras
produziu até sua morte. Para seus oponentes e para a Justiça, estas hóstias
eram uma pura farsa e foram a causa de uma das estadas de Vintras entre as
grades.
Nesse período
desgraçado para o profeta de Tilly, enquanto permanecia no cárcere, adquiriu
peso no seio do movimento um sacerdote, Pierre Maréchal, que difundiu teses
relativistas sobre o mal. Se os "anjos chegados à terra para predicar o
Terceiro Reino" (quer dizer, os vintrasianos), pareciam cometer pecados
desde o ponto de vista humano, na realidade, situados mais alem desse ponto de
vista, no haveriam cometido pecado algum. Não é a primeira vez que uma doutrina
religiosa adquire uma moral relativista que exime de qualquer culpa a quem se
situam nos graus mais altos da hierarquia, para os quais parecem não reger as
convenções morais habituais. Habitualmente se trata de uma escusa da hierarquia
para dar renda solta a seus mais baixos instintos. De fato, este tipo de moral
está presente, hoje em dia, nas seitas consideradas como mais destrutivas. A emissão
de sêmen era fundamental para criar "novos anjos"; a masturbação
passou a ser habitual na setena do Marechal e logo passou a outras até
difundir-se em toda a comunidade. As mulheres eram convencidas de que podiam
dar a luz a novos anjos unindo-se a seus confessores. Ao sair do cárcere,
Vintras encontrou o movimento transformado em uma direção que não
compartilhava; expulsou ao Marechal e restabeleceu a ordem, porem a noticia dos
escândalos já transcendera e foi utilizada pelos antivintrasianos para desacreditar,
não só as setenas como também a Naundorf.
Este episódio
serviu para alertar a Vintras sobre os perigos que corria sua organização.
Deduze-se que
se tratava de infiltrações de corte satanista e procedeu a criar uma rede de
informantes sobre este tema que lograram infiltrar-se nos círculos mais
variados de toda Europa, desde ocultistas até propriamente satanistas e
espiritas, aos que Vintras considerava como emanações satanistas propriamente
ditas. Assim pode-se saber os conteúdos das missas negras que nesses momentos
se faziam em boa parte dos países da Europa, em capelas sacrílegas adornadas
com símbolos sexuais extraídos do mundo clássico e deuses pagãos da
antigüidade. Muitos dos documentos e informes que recompilou Vintras parecem
ser puro delírio imaginativo, intoxicação ou simplesmente produto de fantasia.
Porem não todos; é rigorosamente certo, que o satanismo se converteu numa
perversão do espírito, relativamente estendida, durante a segunda metade do
século XIX. Vintras, alarmado e inquieto, porem também maravilhado por esta
"espiritualidade negativa", redigiu rituais e cerimonias de proteção.
Uma delas, o "Sacrifício Provictimal de Maria" implicava que os
justos deviam aproximar-se aos pecadores implorando seu perdão, graças a um
sacrifício expiatório.
As descrições
que faz Vintras das missas negras e, sobre tudo, de suas intervenções para
frustra-las, recordam extraordinariamente os temas de modo no ocultismo do
século XIX: de um lado, os espíritos do mal são apresentados como "fluídicos"
e sua ação como "magnética" (como herança das concepções de Franz
Anton Messmer), os cenários nos quais aparece o Maligno evocam as sessões
espiritas e, finalmente, a defesa de Vintras tem más de novela gótica que de
descrição realista.
A fama de
Vintras foi decaindo, paralela à perda de vigor do movimento naundorfiano, e
ficou sumida numa profunda crise quando Joseph Antoine Boullan assumiu a
direção do movimento apoiado numa minoria dos hierarcas. Boullan, sacerdote
era, ao mesmo tempo, doutor em teologia e um homem de formação intelectual
completa, que desde os anos de juventude, se havia visto irreprimivelmente
atraída pelo mundo das aparições marianas e as profecias apocalípticas. Neste
sentido, França era um caldo de cultivo ideal para ele. O país ainda não
recomposto da orgia de sangue que foi a Revolução Francesa, viveu, ao longo de
todo o século XIX, uma sucessão de traumas que convenceram aos católicos de que
se tratavam de sinais do fim do mundo e nessa atmosfera carregada e depressiva,
surgiram aparições como as da Virgem da Salette e a de Lourdes. Temos que dizer
que os legitimistas partidários de Naundorf aceitaram, em seu conjunto, as
mensagens da Virgem de La Salette, extraordinariamente conservadores y
nacionalistas.
O ABADE BOULLAN ENTRE DOIS FOGOS
Como fruto de
seu interesse pelas aparições de La Salette, Joseph-Antoine Boullan conheceu a
uma monja belga, Adela Chevalier que dizia ter visões. Boullan, nascido em
1824, foi ordenado sacerdote ao cumprir os vinte e quatro; destinado inicialmente
a uma paroquia em Montauban, se dirigiu a Roma, pouco depois ingressando na
Congregação de Missionários do Precioso Sangue e obtendo o doutorado em
teologia. Destinado a uma obscura paroquia alsaciana, ali escreverá suas
primeiras obras místicas e traduzirá uma obra de María de Agreda, "A
Cidade Mística". Em 1854, inspirado pelas aparições marianas de La
Salette, romperá com sua congregação e se trasladará a París onde colaborará em
"Le Rosier de Marie", uma publicação de devoção mariana que difunde a
mensagem de La Salette. Será na redação dessa revista onde conhecerá a Adela
Chevalier da qual se converterá em diretor espiritual.
Pouco depois
Boullan e Adela Chevalier, propuseram a Pio IX, a criação de uma ordem
religiosa mista, a Obra da Reparação, que depois de vencer bastantes
reticências da cúria, obteve em 1859 a autorização do Monsenhor Mabille, bispo
de Versalhes. Uma das finalidades dessa ordem mista é a luta contra o diabo, a
quem Boullan atribui a responsabilidade da maldade e a morte que sacode a
humanidade. E a partir daqui, é quando começam a evidenciar-se aspectos muito
problemáticos na trajetória de Boullan. Pronto Boullan conseguiu abrir um
estabelecimento na rue de Sevres, na qual se albergaram "algumas pobres
moças histéricas e megalomaníacas". Enquanto Adela assumia a direção dos
assuntos cotidianos da congregação, Boullan se erigia diretor espiritual. Foi
nesse período quando começou, à maneira de Vintras, a atribuir-se o poder de
sanação, pois não em vão considerava que toda enfermidade era um castigo de
Deus por um pecado cometido pelo enfermo e instigado pelo Diabo. A teoria da
Reparação, como veremos, implicava que os predestinados podiam assumir as
enfermidades do pecador e redimi-lo de sua culpa, sanando-o.
Um belo dia,
Adela Chevalier fica grávida e Boullan assegura que foi possuída e violada por
um diabo, o filho que leva em suas entranhas, é pois, o filho do diabo e
Boullan se encarrega de mata-lo. O episódio - nada, nem sequer dentro da
comunidade duvidou nunca que Boullan fora o pai da infortunada criatura-
evidenciou que as práticas sexuais tinham uma presença não desdenhável no
acervo de ritos da Obra da Reparação: a tese central do grupo era que os
"apóstolos da reparação" deviam assumir e carregar com os pecados do
mundo, como faze-lo? cometendo os mesmos pecados que os outros, porem
sacralizando-os. Por curioso que possa parecer, esta teoria não era nova, em
toda a historia das religiões se encontram ecos do que Boullan reinventou ou
resgatou, introduzindo adulterações. Tanto na tradição hindu, como nos tantras
tibetanos, ou inclusive no Sufismo, qualquer união sexual pode ser sacralizada
a condição de que os parceiros assumam as potências de uma parceria divina. A
união se converte em hierogamia, união sagrada e está reputada de ter
qualidades mágicas. Boullan orientou este mecanismo até o que chamava "a
reparação". Quando o pecado foi transferido do pecador à pessoa devota
possuída pela Graça de Cristo, esta mesma extingue e apaga o pecado com seu
infinito poder.
Boullan escreveu:
"Um grande número de vidas de santos ou santas que Deus elevou a um estado
particular de graça sobrenatural estão cheias de fatos referentes a que ditas
almas sofreram as enfermidades dos demais, que aceitaram sofrimentos estranhos,
numa palavra, que suportaram enfermidades que não lhes pertenciam e das quais
os demais se encontraram liberados. Pergunta-se então, por que o pecado não
poderia ser também transferido, previamente à aceitação da alma reparadora. A
base da Reparação, o que com justo título é sua verdadeira pedra angular, é a
reversibilidade, não possível, e sim real, do pecado; é a transferencia de uma
pessoa a outra, com seu consentimento dos pecados estranhos em seu ser. A
transferencia de um pecado de uma pessoa a outra é um fato que pode ser
verificado, comprovado, da maneira mais segura. Ser uma alma reparadora
consiste em aceitar o pecado de seus irmãos na medida em que são expiados os
seus; se trata, com ajuda da graça Santificante que está em nós, assim como da
graça que nos é concedida, de suportar o peso do pecado, destrui-lo em nosso
corpo pela virtude de Jesus Cristo. Assim, na divina Reparação, o pecado está
em nós com suas características, sua espécie, sua natureza e todas as formas
que tinha naquele que o cometeu. A alma reparadora experimenta e sente o pecado
em seu corpo, tal como tem sido; constata as fases, os progressos do vicio, do
defeito, da paixão; em uma palavra, sofre todas as crises da lei do
pecado".
Boullan,
seguramente conheceu a "doutrina cristã da reparação" em seus anos de
estudos teológicos e a adaptou a suas conveniências. Entre outras coisas,
esquecia que se bem a Igreja admite que alguém possa assumir e carregar com os
pecados dos outros, nada lhe autoriza a pecar por si mesmo e a gerar ele mesmo
pecados. Porem nada parecia deter a audácia de Boullan e da Chevalier que
multiplicam seus anúncios assegurando curas milagrosas e receptores de
mensagens divinas.
Amparado
nesta curiosa teoria, Boullan submetia as suas noviças a cerimonias aberrantes.
Depois de have-las convencido de que estavam possuídas pelo diabo, passava a
exorciza-las, derrotando todo seu arsenal de perversões sexuais. Cuspia-lhes na
boca e obrigava a beber suas urinas e os fluxos menstruais de Adela.
Uma carreira
como esta devia topar prontamente com dificuldades. Primeiro a sanção
eclesiástica, pois não em vão, Boullan seguia sendo nesse momento ministro da
Igreja. O episódio não esclarecido do infanticídio encontrou no bispado o
primeiro interessado em que se mantivesse em segredo. Todavia hoje se duvida se
morreu ao nascer, foi estrangulado por Boullan ou sacrificado no curso de uma
missa negra. Nesses momentos somente formam parte de sua comunidade uma dúzia
de homens e mulheres enlouquecidos - Boullan afirma que se trata de casos de possessão
demoníaca- que se instalam no pequeno povoado de Triel. Daí passam a Vaux.
Porem Boullan é acusado pelos tribunais ordinários por delito de fraude.
Cumprirá três anos de prisão, acudindo ao Santo Oficio romano a confessar-se em
sinal de arrependimento. Assim transcorrem seus anos entre 1861 e 1869 data na
qual regressa a França ocupando uma função numa revista "Anais de
Santidade" especializada nas aparições marianas e nos fenômenos de
misticismo. Porem a fronteira entre estas correntes católicas, vistas com
receio pela Igreja, e os círculos ocultistas e espíritas não são tão sólidos
como pudera pensar-se, apesar dos ataques mútuos que se produziam. No fundo,
ambos setores estão atraídos por duas fenomenologías que tem muitos pontos
comuns, só varia a explicação que lhes atribuem.
Quando em
1875 Boullan escreveu a Vintras e passou a formar parte de seu círculo, o
Vaticano que esperava a ocasião para resolver suas diferenças com a nova linha
adotada por aquele, o excomunga e expulsa do seio da Igreja. É possível que
Boullan, a partir desse momento, sonhara com vingar-se do Vaticano e buscara no
grupo de Vintras o instrumento necessario. Do que não cabe a menor dúvida é do
sentimento que despertou em Boullan a decisão de exclui-lo da Igreja. Vintras
comunicou a Boullan que um anjo lhe havia imposto o nome de "Elías-Joao
Batista"; porem a pouco de tomar contato com ele, Vintras morre e Boullan
se traslada a Lyon para tentar assumir o controle da organização. Graças ao
apoio de Souleillon, um bispo vintrasiano, consegue fazer com que Vintras seja
eleito por uma minoría como novo chefe espiritual.
Não
esqueçamos que nessa época Lyon era, com París, a capital do ocultismo francês,
à parte da sede do vintraísmo. Foi precisamente nesses ambientes nos quais
Boullan se pôs buscar novos adeptos, o que redundou que Stanislas de Guaita se
fixasse nele e desconfiasse dos propósitos do sacerdote. Foi assim como
Stanislas Guaita logrou introduzir seu amigo e discípulo Oswald Wirth, em torno
de Boullan.
Guaita havia
fundado em 1888 a "Ordem Cabalística da Rosa Cruz" à qual pertenceram
Joséphin Péladan, Gerard Encausse "Papus" e o próprio Oswald Wirth. A
Ordem havia sido constituída como herdeira direta da Ordem da Rosacruz do
Templo e do Graal que fundara em Toulouse o conde de Lapasse em 1845, a qual,
por sua vez, procedia da Ordem dos Filadelfos, organizada em Narbona pelo
marquês François Chefdebien em 1789. Péladan se separou de pronto da Ordem e
passou a fundar seu "Salão Rosacruz" alcançando fama e renome nos
meios artísticos durante os últimos anos do século passado e os primeiros
deste. Quanto a Oswald Wirth, passou à historia do ocultismo e da maçonaria
como autor de obras de indubitável interesse e qualidade.
Wirth em seu
período de infiltração em torno "reparador" de Boullan ficou
impressionado com o que ali viu. O círculo interior praticava o que Boullan
chamava "uniões de vida" cuja base teórica era a possibilidade para
um ser que se encontrava num nível espiritual primário de ser ajudado em sua
"evolução" por outro ser situado num nível superior. A melhor forma
de realizar este "intercâmbio ascensional" era, desde logo, a união
sexual, pois não em vão os discípulos de Boullan davam à palavra
"Carmelo" uma origem etimológica imprópria, "carne elevada ao
céu". Assim pois, o membro da Obra da Reparação devia unir-se a qualquer
ser ao que assegurasse sua ascensão espiritual, ou melhor, a qualquer outro ser
situado num plano superior. Todo isto, naturalmente, levou à Obra da Reparação
a converter-se num patamar no qual todas as perversões sexuais encontravam seu
lugar. A sanação se praticava mediante estranhas receitas. Um de seus remédios
favoritos para curar afeções da pele era emplastos de hóstia consagrada com
urina e excrementos. Certamente, na farmacopéia rural, a urina se utiliza
abundantemente, porem jamais nada se havia atrevido a uni-la ao que o católico
considera corpo e sangue de Cristo. Boullan no curso de todas estas cerimonias
orgásticas era, naturalmente, quem mais se beneficiava, pois não em vão, sua altura
espiritual era maior. Amante da felação, algum estudo contemporâneo afirma que
devia estar afligido de "satiriasis" ou adição patológica ao sexo.
Wirth
terminou sendo suspeito aos olhos de Boullan; só parecia interessar-lhe a
teoria, porem permanecia alheio a qualquer tipo de prática e as relações foram
esfriando-se ate a ruptura definitiva. Quando esta ocorreu, Wirth entregou todo
o material recompilado e suas declarações a Guaita o qual convocou um
"tribunal iniciático", único que podia julgar delitos contra la
espiritualidade. A sentença emitida aludia a "a promiscuidade sem limite,
à ubiqüidade do impudor, ao incesto, à bestialidade, ao incubismo, enfim",
praticados pelo círculo interior do grupo. Péladan, Bricaud, Barlet, Papus e
Guaita formavam parte do dito tribunal que condenou a Boullan à "morte
iniciática". Isto implicava a difusão pública dos segredos da seita, sua
denuncia diante dos meios de comunicação e o desmascaramento das práticas
orgásticas e desenfreadas de seus membros, algo muito menos terrível que o
próprio enunciado da condenação. Boullan, sem demora, esteve persuadido até sua
morte, de que se tratava de uma condenação à morte emanada dos círculos
satanistas que se realizaria mediante meios mágicos. Tal foi a origem do que se
conheceu como "guerra dos magos".
A sentença
condenatória contra Boullan se emite em 1887; este ainda viverá cinco anos. Tal
é o tempo em que se prolonga a "guerra dos magos". Boullan, a partir
da sentença, começou a notar o que chamava "ataques fluídicos" contra
sua pessoa. Suas duas defesas mais notáveis eram as hóstias milagrosas que
havia herdado de Vintras, amuleto seguro contra o diabo, e a proteção de Julie
Thibault, suposta sensitiva que "via" à distância os "ataques
fluídicos" dos Rosacruzes considerados como satanistas. O professor
Massimo Introvigne tem razão em explicar o paradoxo desta situação. De um lado,
Boullan afirma combater aos satanistas, porem ele mesmo em nome do
antisatanismo realizou práticas propriamente satânicas: misturando hóstias com
urina, excrementos e sangue menstrual, realizando orgias sexuais muito
similares às missas negras. Em quanto a Guaita e aos Rosacruzes, em principio
alijados da ortodoxia romana, utilizaram para condenar a Boullan, a mesma
violência e as mesmas expressões que uns poucos anos antes havia utilizado a
Igreja para condenar a Vintras.
HUYSMANS, ALEM ABAIXO
Joris Kark
Huysmans era já um escritor de fama consolidada, considerado como o principal
discípulo de Zola; sem demora seus interesses enveredavam pelos caminhos do
ocultismo pelo qual se sentia vivamente atraído. Em 1895 emprestou sua casa a
Madame Thibault, uma das sacerdotisas e videntes da seita de Boullan, para que
celebrasse os cultos estabelecidos por Vintras e Boullan. La Thibault tinha a
particularidade de "ver" à distância as manipulações satânicas dos
inimigos de Boullan e de Huysmans e descrever seus movimentos com o menor
detalhe. Todo induz a pensar que se tratava de pura fantasia e o próprio
Huysmans convenceu-se ao cabo de três anos de albergar a Thibault em seu
domicilio, onde oficiava em qualidade do que o professor Introvigne definiu
como "exorcista doméstica".
Huysmans,
escrevia desde muito jovem alcançando uma notável consideração de Emile Zola,
gloria das letras francesas e do naturalismo da época. Logo passou às fileiras
do decadentismo que já fazia seus primeiros estragos e que com Marcel Proust
estava reembasando em popularidade ao naturalismo. Porem já nessa época começa
a se interessar pelo catolicismo através de seu amigo o escritor Leon Bloy a
quem ajudará nos momentos de crise pessoal. Porem se tratava de um homem
radical em seus gostos cuja vida resume todos os caracteres de uma época:
piedoso, era habitual dos bordéis, católico, se sentia igualmente atraído pelo
ocultismo e a magia. Bloy, não é menos certo que conheceu os Rosacruzes Guaita
e Péladan e travou amizade com Jules Bois, assim mesmo amante do oculto e de
Emma Calvé, diva do belo canto e musa dos conventículos ocultistas parisienses.
Também se relacionou com Papus e participou de práticas espirituais. Uma
mulher, Berthe Courrière lhe induziu o interesse pelo diabo.
A Courrière,
como outros muitos católicos franceses de finais de século, a força de meditar
e pensar no diabo e na luta contra ele, haviam-se sentido atraídos de maneira
mórbida pela realidade das missas negras, os cultos e as invocações satânicas.
Não será o único caso, nem o mais extremo, como veremos nestas páginas. O poeta
Apolinaire, amigo de Berthe Courrière, deu a data de que esta mantinha
excepcionais boas relações com o reitor da Capela e o Santíssimo Sangue de
Cristo, Louis van Haecke. O testemunho de Apolinaire, unido a outros do mesmo
semblante, indicam que van Haecke era um desses sacerdotes que haviam passado
ao campo do satanismo e que realizavam missas negras na mesma capela onde se
guardava um recipiente que a tradição dizia guardava gotas do sangue de Cristo.
Em 1890 se produziu a ruptura entre van Haecke e Berthe e esta foi internada
num hospital psiquiátrico depois de fugir desnuda da casa do cura. Pouco
depois, depois ser dada alta, na estação de trem acreditou ser vítima de um
encantamento ficando imobilizada diante da janelinha da venda de bilhetes.
Possivelmente se tratara só de um ataque de ansiedade ou quiçá de agrofobia,
porem, seja o que for, Berthe considerou que van Haecke lhe lançava
"influxos malignos" para evitar que rompera com ele. Foi confessar-se
com um sacerdote e conseguiu serenar-se.
Huysmans teve
conhecimento destas peripécias por outro amigo escritor, justo no momento em
que tentava recompilar materiais para escrever uma novela centrada em torno do
satanismo contemporâneo e à figura de Gilles de Rais, o braço direito de Joana
d'Arc, passando logo à bruxaria e ao satanismo. Foi precisamente, seu grande
inimigo, Stanislas de Guaita, quem facilitou a Huysmans a direção de Boullan,
depois de haver advertido que encontraria ali as piores iniquidades. Quiçá por
isso Huysmans tomou contato com Boullan em princípios de 1890. O próprio Oswald
Wirth, infiltrado no grupo de Boullan, advertiu a Huysmans sobre o ambiente que
rodeava o heresiarca.
Sem demora,
Boullan, manteve sempre uma atitude ambígua com Huysmans; em todo momento se
declarou antisatanista e acusou a Guaita e Wirth de entendimento com o Maligno.
Fez algo mais, que para um escritor era precioso, lhe entregou o essencial dos
arquivos de Vintras sobre o satanismo. Poucos meses depois de haver se iniciado
a relação, Boullan havia convencido a Huysmans de que, tanto ele como sua
organização, eram puros e inclusive concordou em realizar exorcismos para
liberar definitivamente a Berthe Courrière da influência de van Haecke. Tudo
isto, unido às informações entregues pelo periodista Jules Bois, amigo íntimo e
colaborador de Huysmans, constituíram o material inédito sobre o qual elaborará
uma das novelas mais apaixonastes e cativantes da literatura findesecular:
"La Bas", "lá embaixo". Todos os implicados no assunto de
Berthe, o canônico van Haecke, ou em torno de Boullan, o próprio Huysmans,
aparecem como personagens da novela e inclusive os Rosacruzes são mencionados
respectivamente.
A partir da
publicação de "La Bas", Huysmans se sente vítima de "ataques
fluídicos" dos Rosacruzes e vai a Boullan em busca de ajuda. Este lhe
oferece os serviços de la Thibault e lhe entrega proteções mágicas (perfumes e
cintas consagradas), incitando-o a rezar as orações redigidas por Vintras e
reputadas de servir como proteção. Pouco depois, até 1892, Huysmans se converte
ao catolicismo onde permanecerá até a data de sua morte (1907). Vicente Blasco
Ibáñez que traduzirá boa parte de sua obra ao Espanhol - entre outros livros,
"La Bas"- ressaltava que na hora de sua morte "Huysmans mostrou
em sua longa agonia uma serenidade edificante. Ele mesmo escreveu sua carta
mortuária e dispôs que o enterrassem com o hábito de beneditino. Huysmans se
extinguiu às sete da tarde de um Domingo, em 12 de Maio de 1907. Seus amigos
lhe haviam deixado meia hora antes com o cigarro entre os dedos, afetuoso,
esforçando-se por manter seu sorriso". E mais adiante: "Apesar de sua
juventude libertina, se foi do mundo sem outras experiências amorosas que seus
brutais gozos com as peripatéticas do prazer escolhidas ao azar em uma esquina.
Todas suas relações foram com fêmeas. Jamais encontrou a uma mulher".
Huysmans
andou sempre na corda bamba, sentindo a vertigem da atracão pelo vazio do vicio
(satanismo, magia sexual, erotismo mórbido) e pela virtude (sua busca
espiritual foi sincera e o levou à serenidade final), porem para chegar a ela
teve que recorrer a um caminho, quanto menos, problemático. E suas derivações
foram, assim mesmo, problemáticas: não em vão é no clima de expectação surgido
depois da publicação de "Alem Abaixo" que aparecem os escritos de Leo
Taxil, vinculando a maçonaria ao satanismo e que são, em definitivo, filhos
bastardos da obra de Huysmans.
O DUELO FINAL
Em 1891
Boullan e Huysmans fazem juntos a peregrinação à La Salette. Por essas datas
Huysmans retorna ao seio da Igreja Católica porem segue mantendo relações com
Boullan ao sentir-se ameaçado pelos "satanistas" (Guaita e os
Rosacruzes). Boullan lhe entrega "proteções mágicas" e amuletos
consagrados segundo os "Sacrifícios de Gloria" instituídos por
Vintras; Huysmans os levou em cima até mais alem de sua conversão ao
catolicismo. A vidente de Boullan, Julie Thibault, advertiu a Huysmans dos
ataques "fluídicos" dirigidos contra ambos.
Em 4 de
Janeiro de 1893, Boullan escreveu pela última vez ao novelista, angustiado
pelos ataques dos Rosacruzes. La Thibault, em sonhos, viu a Guaita realizando
manipulações mágicas e conjuros sinistros; ao dia seguinte Boullan se sentiu
angustiado na hora da comida. Madame Thibault e outro discípulo de Boullan,
assim mesmo vidente, o colocaram em uma poltrona, porem a sensação de sufoco
persistia e, pronto Boullan compreendeu que a vida se lhe escapava.
"Morreu vítima dos satanistas", estabeleceram seus discípulos.
Huysmans acreditou e se refugiou na terra sagrada de um monastério a fim de
livrar-se dos "ataques fluídicos" cuja proximidade percebia.
Poucos dias
depois a imprensa francesa publica um artigo de Jules Bois no qual denuncia a
Guaita, Péladan e Wirth como autores do que qualificava como "assassinato
mágico". Guaita, nessa mesma imprensa, se defendeu, negando qualquer
responsabilidade. O cruzar de notas acusatórias durou uns quantos dias até que
Guaita enviou seus padrinhos a Bois e Huysmans, desafiando-os a um duelo. O
segundo se retratou por escrito das acusações lançadas contra Guaita, porem
Bois, aceitou o "campo da honra" na Tour de Villebon. Ao amanhecer do
dia do duelo, a pouco de tomar Bois sua charrete habitual, um dos cavalos
faleceu inesperadamente; colocado outro, antes de aproximar-se do lugar do
duelo, os dois cavalos faleceram, tombando a charrete. Bois chegou ao lugar
dolorido e coberto de pó. Depois das balas disparadas por cada um que causaram
a ambos contendentes feridas leves, a honra foi salva e o duelo interrompido.
A imprensa
falaria durante semanas deste estranho episódio no qual cada parte acusava a
outra de estar em contato com o diabo. Huysmans e Bois foram enganados por
Boullan, o qual lhes ocultou sempre seus ritos sexuais e suas práticas
aberrantes. Huysmans, depois de examinar os arquivos de Boullan detidamente
terminou convencido de que as acusações dos Rosacruzes eram autenticas, porem
nunca conseguirá convencer-se nem de que Boullan morrera casualmente, nem de
que os ataques fluídicos contra sua pessoa foram pura sugestão, nem muito menos
que os três cavalos de Jules Bois, mortos em poucos minutos, foram pura
casualidade. E se este era assim quem eram os satanistas?
Depois da
morte de Boullan e com os escândalos que sempre haviam acompanhado aos
vintrasianos e aos "reparadores", sua seita entrou em crise e somente
se manteve em Lyon até a segunda guerra Mundial, quando já as "uniões de
vida" e as perversões sexuais do fundador já haviam sido esquecidas. Em
quanto aos vintrasianos, apenas sobreviveram a tão amargas experiências. Tem-se
tentado localizar a uma setena ativa que segundo Patrick Ravignat seguiria
operando no Bairro de Saint Sulpice de París, porem infrutiferamente.
Por: SCA - Sociedade das Ciências Antigas
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020
Choronzon, o Senhor da Dispersão
Choronzon é um demônio (ou força Qliphótica) que pode tanto auxiliar o adepto na Travessia do Abismo quanto conduzi-lo a uma insanidade tremenda. Tudo depende da preparação daquele que o enfrenta.
Choronzon recebe muitos nomes. Senhor da Dispersão, Senhor das Alucinações, Senhor do Triângulo, entre outros. Seu número é 333, a metade do número da Besta. Por esse motivo, há quem o considere como o aspecto feminino da Besta. O número 333 está diretamente ligado a seu símbolo, composto de três triângulos. Coincidência ou não, é bastante similar ao símbolo globalmente usado para indicar radioatividade.
De acordo com Kenneth Grant, em O Renascer da Magia, esse é também o número da impotência e da falta de controle. E esses são os males que acometem aquele que sucumbe à sua força.
Mas como esse demônio pode ser útil ao adepto? A resposta não é óbvia, mas você vai entender lendo até o fim.
Dee, Kelley e Crowley
Apesar de ser um princípio arquetípico atemporal, Choronzon foi nomeado pela primeira vez pelos intrépidos exploradores do desconhecido, Dr. John Dee e Sir Edward Kelley. Esses magos se depararam com ele durante suas desbravações dos Aethyrs. Em seus escritos, identificaram-no como o oposto metafísico de tudo que representa a Magia.
Aleister Crowley o define como a personificação das forças do Abismo. O menciona em diversos de seus escritos, sendo notáveis Operação de Amalantrah, Confessions e A Visão e a Voz.
Na Operação de Amalantrah, Crowley traça um paralelo entre Choronzon e a experiência de usar haxixe. No Confessions, explica como Choronzon é mantido em seu lugar pela ameaça constante de Babalon.
Mas talvez o relato mais impressionante venha de A Visão e a Voz, em que Crowley menciona uma experiência em que se deixou possuir pelo próprio Choronzon. Nessa ocasião, o demônio deu um jeito de escapar do triângulo de evocação, e as coisas saíram completamente do controle. Convenhamos: o que seria de esperar ao conjurar o Senhor do Triângulo a se manifestar em um triângulo? Seria sábio esperar que ele se comportasse e permanecesse confinado?
Choronzon acabou tornando-se muito importante para Thelema, sendo também referenciado como o Habitante do Abismo.
Uma Visão Moderna
Choronzon acabou virando figura carimbada na cultura pop. Seu nome aparece em inúmeras letras de músicas. Algumas, inclusive, recebem seu nome.
Grant Morrison, que apesar de ser um mago respeitável é mais conhecido pelos seus quadrinhos, resume bem a característica que Choronzon tem de dissolver o Ego. Ele cunhou a expressão “ácido choronzônico” – bastante adequada para se referir à natureza dessa entidade.
Curiosamente, Peter J. Carroll o define, em seu Liber Null e Psiconauta, de forma oposta ao conceito de Grant Morrison. Segundo Carroll, o conceito de Sagrado Anjo Guardião representa nosso poder de consciência, magia e gênio. Choronzon, por outro lado, representaria os efeitos colaterais obsessivos ligados a esse conceito do SAG.
Michael Bertiaux, famoso pelo seu trabalho com o Vodum Gnóstico e com diversas ordens esotéricas que seguem essa filosofia, mas também tem seus projetos mágicos mais particulares. Entre eles, destaca-se um grupo fechado chamado Choronzon Club.
Mas Choronzon normalmente não é representado em forma física. Há, inclusive, quem defenda que ele não possui uma. Ainda assim, ficou imortalizado nas ilustrações do primeiro arco de Sandman, Prelúdios e Noturnos. Sandman e Choronzon travam no Inferno um duelo de palavras, disputando um artefato mágico de grande importância para a história.
Atropelando Choronzon
Sandman derrota Choronzon com uma jogada um tanto cliché – dizendo que esperança supera todas as coisas. É claro que Neil Gaiman conta a história magistralmente, mas esse foi um daqueles momentos em que os quadrinhos adultos não correspondem ao conhecimento oculto.
É claro que esse demônio (como qualquer outro) pode aparecer para atormentar o adepto sem ser convidado. Mas o adepto (normalmente) só se encontra deliberadamente com ele na intenção de obter sucesso na travessia do abismo. E a ideia não é derrota-lo – é deixar que ele dissolva por completo o Ego, possibilitando assim uma travessia adequada.
Tendo poder suficiente, o adepto faz com que essa força aja a seu favor. Falhar nessa operação resulta invariavelmente em uma mente em frangalhos, e a loucura é praticamente inevitável. Liber Null e Psiconauta reiteradamente adverte o leitor para os perigos inerentes ao contato com o demônio Choronzon.
O clássico Cabala, Qliphoth e Magia Goética, de Thomas Karlsson, fala mais sobre a Travessia do Abismo do ponto de vista do Caminho do Conhecimento. O Renascer da Magia, de Kenneth Grant, fala mais sobre a Operação de Amalantrah, do conceito de Choronzon segundo John Dee e Edward Kelley, e sobre o simbolismo do número 333. Liber Null e Psiconauta traz um capítulo inteiro devotado ao Senhor da Dispersão.
Fonte: https://www.penumbralivros.com.br/2016/09/choronzon-o-senhor-da-dispersao/
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